Negócios de impacto ganham força no RN unindo sustentabilidade e lucro

Liderança indígena e professor, José Luiz Soares recebe os visitantes na comunidade Katu | Foto: Alex Régis

Um roteiro de imersão na natureza e na cultura local, com momentos de histórias, reflexões e conexões com as ancestralidades. A trilha junto à natureza também conta com pinturas corporais, cânticos, rituais, banho de rio e um espaço para artesanatos locais e troca de aprendizados sobre plantas nativas e preparo de remédios naturais. É assim que a comunidade indígena Katu, entre Goianinha e Canguaretama, na Grande Natal, passou a conviver nos últimos anos com o turismo comunitário, uma forma de gerar visibilidade e identificação para os povos originários do Rio Grande do Norte, desconstruir preconceitos e esteriótipos e mostrar, na prática, como é a rotina e a cultura do povo Potiguara Katu. Os roteiros imersivos são apenas um exemplo do cotidiano de empresas e coletivos que buscam unir questões sociais, sustentabilidade e lucro nos chamados negócios de impacto, uma ramificação do mundo empresarial que tem ganhado força no Rio Grande do Norte e no Brasil.

Na prática, um negócio de impacto é um empreendimento que tem como intuito principal a geração de impacto positivo na sociedade e/ou meio ambiente, ao passo que também busca sustentabilidade financeira e lucros. Os negócios de impacto fazem parte de um setor intitulado “dois e meio” ou “2.5”, isto é, transitando entre o setor privado com fins lucrativos (segundo setor) e as organizações sociais sem fins lucrativos (terceiro setor).

“São quatro características básicas: o empreendedor precisa ter a intenção real de resolver um problema social ou ambiental. Ele precisa operar pela lógica do mercado, não basta só resolver o problema, ele tem que lucrar com aquilo. Ele alia uma oportunidade a resolução do problema. Essa resolução precisa ser o produto e serviço direto da empresa, não pode ser algo acessório, é o principal. E por último: o empreendedor precisa medir que impacto positivo está-se gerando”, explica Mona Paula Nóbrega, analista técnica e gerente da Área de Desenvolvimento Rural e Negócios de impacto socioambiental do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae-RN).

Nativa da Comunidade Katu, Maria Baixinha é a referência no Jardim da Cura com remédios naturais e plantas medicinais | Foto: Alex Régis

Turismo

Na comunidade Katu, que conta com 900 moradores, a Katu Experiências se enquadra como negócio de impacto. A empresa foi fundada por Maria Pimentel – mestra e atualmente doutoranda em Turismo pela UFRN -, que sentia necessidade de reforçar a valorização indígena de sua comunidade e preservar a cultura local. As trilhas, por exemplo, não foram criadas para os turistas, mas já existiam pelos moradores antepassados da comunidade Katu. O nome, inclusive, tem o significado na língua Tupi como “bom e bonito”.

“A Katu Experiências surgiu com o intuito de fazer com que as pessoas da comunidade pudessem ter a oportunidade de serem visibilizadas a partir de sua cultura e gerar uma segunda fonte de renda, porque ainda temos como principal fonte de renda a agricultura familiar e outras atividades culturais que fazem parte do nosso cotidiano. Percebemos que era possível agregar turismo às atividades que fazem parte do cotidiano e gerar valorização cultural e que esses aprendizados sejam passados de geração para geração. Isso fortalece nossa cultura”, explica.

A empresa foi formalizada em 2020, mas iniciou as atividades em 2018. Segundo Maria Pimentel, além dos roteiros propiciados pela Katu Experiências, a ideia é gerar melhorias e benefícios para a comunidade. Ela explica, por exemplo, que são feitas ações de reflorestamento na comunidade, envolvimento dos integrantes nas ações da empresa e reinvestimento dos ganhos na própria comunidade, seja no desassoreamento do rio, em viabilização de trilhas e pequenas reformas, por exemplo.

“Trazer o turismo para uma comunidade indígena que não tem seu território reconhecido e demarcado faz com que tenhamos mais visibilidade e essa força que temos na nossa cultura seja dispersada para fora da comunidade, para que as pessoas comecem a enxergar que no RN existem povos indígenas. Temos cerca de 22 aldeamentos e nenhum é demarcado”, complementa Maria Pimentel, que lembra que o RN, por muito tempo, inviabilizou os povos indígenas e é o único estado do Brasil que não demarcou os territórios desses povos.

Por meio da Katu Experiências, Maria Pimentel reforça a valorização indígena na comunidade | Foto: Alex Régis

A comunidade Katu também conta com um coletivo de turismo comunitário: a Etno Katu, que desempenha um trabalho semelhante no tocante a dar visibilidade para a comunidade indígena. Escolas, pesquisadores e universidades fazem visitas frequentes à comunidade. Em 2005, uma audiência pública na Assembleia Legislativa do RN (ALRN) foi a virada de chave para os povos indígenas, segundo José Luiz Soares, ou Luiz Katu.

“O turismo pedagógico e tudo que acontece dentro de Katu vem de provocações. Em 2005 foi decisivo. Na audiência pública eu provoquei para virem nos conhecer e conversar conosco. E as pessoas compraram esse desafio e vieram aqui”, explica a liderança indígena José Luiz Soares, que é cacique potiguara no território Potiguara Katu, professor indígena na Escola João Lino da Silva e na Escola Alfredo Lima, ambas indígenas no território.

Comunidade Katu recebe semanalmente escolas, universidades e turistas para vivenciar a rotina indígena | Foto: Alex Régis

Programa acelera e estimula ideias no RN

Com o intuito de aprimorar ideias de possíveis negócios de impacto e dar oxigenação para empresas que já atuam no mercado, o Sebrae-RN possui os programas Impacta RN e o Regenera, para esses empreendimentos.

Segundo Mona Paula Nóbrega, o Impacta RN é para aqueles empreendedores que estão em estágios iniciais, visando desenvolver, prototipar e validar a ideia. Nesse sentido é feita uma jornada de aceleração de 6 a 8 meses para preparar a ideia para o mercado.

Já o Regenera, feito em parceria com a Yunus, é voltado à aceleração. “As pessoas já estão no mercado, já têm produtos e serviços, mas elas precisam ampliar mercado, desenvolver outras soluções. No Regenera, temos a participação da Yunus Social, aceleradora referência em negócios de impacto, que ficam 6 meses aqui conosco acelerando esses negócios. Abrimos mercado, amadurecemos soluções. As empresas recebem um capital semente de R$ 20 a R$ 30 mil por negócio para ampliar impacto e lucro”, cita.

O edital mais recente do Regenera foi lançado nesta semana pelo Sebrae-RN. As inscrições permanecem abertas até o dia 08 de junho. A expectativa é começar a aceleração em meados de julho de 2025. O Sebrae-RN pretende promover uma Feira de Negócios de Impacto em junho no Estado.

Mona Paula Nóbrega, do Sebrae-RN, aponta que programas de aceleração têm impulsionado negócios de impacto no RN | Foto: Alex Régis

Acesso à saúde e educação: startups desenvolvem soluções

Fundada em 2018 para melhorar a jornada de pacientes na busca por atendimento à saúde, a UP Saúde é um dos negócios de impacto existentes no Rio Grande do Norte. O CEO da empresa, Rodolfo Lira, explica que a ideia surgiu para facilitar o acesso de pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) para consultas junto às prefeituras do Estado na atenção primária e média complexidade. As primeiras ações ocorreram em Currais Novos e em Caicó, durante um programa de residências, sendo expandido para um aplicativo tempos depois. Criado no contexto da pandemia, a startup inseriu a telemedicina dentro do SUS, ampliando a capacidade de atendimento.

“Quem utiliza o app é a população. Por exemplo: um cardiologista. Como seria antes? Você precisaria ir à unidade, consulta prévia, receber encaminhamento, sair da UBS para o distrito, solicitar o encaminhamento, que iria para a regulação, que agenda, entrar em contato com o usuário para, daqui a 15 dias, 6 meses ou um ano, ir para a consulta. Fizemos o contrário: você marca a consulta online, passa por uma consulta de telemedicina com o médico da família, que encaminha para o especialista e, dependendo da sua vulnerabilidade, essa consulta poderia ser na sua casa ou  presencial. Uma fila que demorava 6 meses a 1 ano passou a ser no máximo 30 dias. Durante a pandemia foi uma revolução”, cita.

A empresa já fez 36 projetos em municípios diferentes do Estado, atuando atualmente em 28 municípios de estados como RN, Paraíba, Maranhão, Pernambuco e Acre em sua carteira de clientes, bem como planos de saúde. A empresa aponta que durante a pandemia chegou a ter mais de 500 mil vidas monitoradas.

Outra startup que surgiu nesse contexto de negócios de impacto é a Game Mind, fundada em 2020 para criar jogos educacionais com o intuito de desenvolver competências para crianças entre 5 e 9 anos de idade. Sócio e responsável pelo desenvolvimento da parte técnica, Nathanael Derick Medeiros aponta que a ideia é promover melhorias na educação de qualidade. Atualmente a empresa está em fase de captação de clientes no mercado local.

“São jogos voltados para o ensino fundamental I e II, etapa mais importante da aprendizagem. Alfabetização, letramento e matemática”, cita. Os jogos consistem, por exemplo, em ensinar conceitos de “direita e esquerda”, números e atividades básicas para as crianças, vendo em tempo real a progressão. “A criança joga os desafios e, sempre que ela comete um erro, isso é coletado e vai para o professor, que pode desenvolver planos para trabalhar com a criança. Somos um negócio de impacto por transformar não só a educação como a vida do professor e dos pais”, completa.

Foto: Alex Régis
  • Perfis

O perfil dos negócios de impacto no Rio Grande do Norte são dos mais diversos possíveis. Há empresas com focos em soluções tecnológicas, seja para a área jurídica, educativa e de saúde, além de negócios voltados ao entretenimento, turismo e lazer, moda e gastronomia. Os faturamentos anuais variam entre R$ 81 mil e R$ 360 mil, ou seja, todas são classificadas como microempresas (MEs). Há casos, ainda, de Empresas de Pequeno Porte (EPPs) com faturamento até R$ 4,8 milhões identificadas no Estado.

O último mapeamento feito pelo Sebrae-RN em 2022 apontava que o Estado possuía 62 negócios de impacto e outros 53 potenciais negócios. Destas empresas, 50% estão localizadas no interior do Rio Grande do Norte, com outras 35% em Natal e 15% no interior do Estado.

Além disso, os negócios de impacto estão diretamente ligados aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODSs) da Organização das Nações Unidas, com os empreendimentos tendo cumprido um ou mais de um ODS no desenvolvimento dos seus negócios. “Tem tudo a ver. Um empreendedor social quando olha para os ODS enxerga na realidade 17 grandes oportunidades para empreender. Quando se enxerga um problema, o empreendedor social vê uma oportunidade”, explica Mona Nóbrega.

TRIBUNA DO NORTE

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